Imagem: Reprodução (Emily Victória Silva dos Santos e Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos) / Justificando
Vozes Negras, às terças-feiras, no Justificando
Por José Antonio Correa Francisco
“Não chego armado de verdades categóricas. Minha consciência não está permeada de fulgurações precípuas. No entanto, com toda a serenidade, acho que seria bom que certas coisas fossem ditas. Essas coisas, eu as direi, não as gritarei. Pois há muito o grito saiu da minha vida. E fez tão distante…” (Frantz Fanon)
À Emily Victória Silva dos Santos (In memoriam)
À Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos (In memoriam)
Em 25.5.2020, em Minneapolis, Minnesota, EUA, George Perry Floyd Jr, negro, foi fria e covardemente assassinado por um policial branco, por suspeita de ter utilizado nota falsificada na aquisição de um produto. Por 11 vezes George disse “Eu não consigo respirar”, apelo dolosamente ignorado pelo policial branco.
No dia seguinte ao assassinato de George, os jogadores da equipe do Milwaukee Bucks da NBA (liga profissional do basquetebol, nos EUA) se recusaram a entrar em quadra, boicote que foi seguido por outras equipes, jogadores, técnicos e dirigentes. O ato antirracista do mundo do basquetebol, em repúdio ao assassinato de George Floyd, repercutiu em todas as cidades dos EUA, durante semanas.
O policial branco foi solto, após pagar fiança, e responderá ao homicídio doloso em liberdade.
Em 8.12.2020, um ato racista contra o ex-jogador e membro da comissão técnica do time turco Istanbul Basaksehir, o camaronês Pierre Webo, negro, durante partida de futebol da Champions League da UEFA (liga profissional européia de futebol), provocou revolta em todos os jogadores e dirigentes da equipe turca e da equipe francesa Paris Saint Germain. A partida foi paralisada aos 13 minutos do primeiro tempo, após a iniciativa de Demba Ba, jogador negro e senegalês do time turco: os jogadores, a comissão técnica e os dirigentes de ambas as equipes se recusaram a permanecer em campo na presença do 4º árbitro, acusado de proferir a ofensa.
O ato repugnante do 4º árbitro e a resposta imediata de repúdio de ambas as equipes europeias de futebol estamparam as manchetes da mídia esportiva em todo o mundo.
O ex-técnico do Flamengo, porém, entrevistado sobre o cancelamento do jogo da Champions League disse: “está muito na moda isso de racismo”.
O mundo esportivo de grande representatividade concedeu duas respostas antirracistas contundentes. Por outro lado, atitudes de indiferença e escárnio estão constantemente presentes, parte da realidade estrutural da sociedade.
No Brasil, o mito da “democracia racial” segue sendo vocalizado[1] por autoridades, denotando a persistência ideológica e a radicalidade histórica do racismo institucional e estrutural.
As violências plúrimas sofridas pela população negra, contudo, escancaram que a “democracia racial” não passa de uma quimera da branquitude[2]: recebemos os piores salários; ocupamos prioritariamente os empregos subalternos e raramente os postos de comando ou chefia; somos a maior parte dos presos e custodiados, no sistema prisional; compomos a menor parcela nos cargos públicos; somos raríssimas personagens nos cargos de cúpula do Poder Judiciário e do Ministério Público.
É possível questionar se o mito da “democracia racial” não seria fruto das teorias eurocêntricas e eugênicas, anteriores à Proclamação da República, que desejavam o “branqueamento” da população negra brasileira, por meio do epistemicídio[3] da cultura africana, ou da legislação estatal que privilegiou a posse de terra do branco e relegou ao negro liberto a fome e o morro. Há muito mais a questionar e, convenhamos, a estrutura econômica é ainda mais racista do que as teorias “científicas” dos novecentos.
Post original: https://www.justificando.com/2020/12/15/ruptura-antirracismo-x-banalizacao/