Intérpretes Negras(os) do Brasil: um projeto para o enfrentamento ao racismo epistêmico

Intérpretes Negras(os) do Brasil: um projeto para o enfrentamento ao racismo epistêmico

Por Dulci Lima

Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP

Intérpretes do Brasil foi como se convencionou chamar uma geração de intelectuais acadêmicos que teorizou sobre questões nacionais consideradas cruciais no entendimento de características sócio históricas que propiciam a compreensão dos processos de formação do país. Dentre esses nomes louvados e tornados clássicos em leitura obrigatória de cursos universitários como Ciências Sociais, História, Pedagogia, Direito etc estão Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Sergio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre entre outros.

No entanto, não há dentre esses considerados clássicos, nomes de homens e mulheres negras. O projeto Intérpretes Negras(os) do Brasil, cuja primeira edição ocorreu no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP[1], tensiona o pressuposto de que intelectuais negros ao discutir a questão racial no Brasil tratam de assunto específico e portanto, apartado da construção interpretativa dos grandes quadros processuais que nos constituem enquanto nação, muitos dos quais fundamentam desigualdades estruturais que persistem em território nacional ainda hoje.

A ausência de representantes negros entre os clássicos intérpretes do Brasil tem entre algumas das explicações mais prováveis o racismo epistêmico que tal como o sexismo epistêmico, promove o extermínio simbólico da alteridade e, por consequência, institui “um único grupo no poder como a voz da autoridade e da verdade que, por estar baseado nos paradigmas da neutralidade e objetividade, exclui a visão dos outros” (SANTOS, 2016, p. 11)[2]

Não há Brasil sem a população negra e não há interpretação honesta do Brasil sem os quadros intelectuais negros. Pensar a questão racial em todas as suas múltiplas dimensões é necessariamente pensar o Brasil. Isto posto o projeto Intérpretes Negras(os) do Brasil se propõe a oferecer uma pílula do conhecimento produzido por nomes como Luiz Gama, Nascimento Moraes, Maria Firmina dos Reis, Clóvis Moura, Guerreiro Ramos, Milton Santos e Lélia Gonzalez, pretende ainda ser um incentivo para a iniciação da leitura desses também clássicos da produção teórica negra brasileira. Para tanto, foram convidados pesquisadores negros que se dedicam a compreender as produções de seus predecessores para produzir vídeos-síntese de suas principais contribuições. Os vídeos podem ser acessados através do link: https://bit.ly/InterpretesNegras-CPF.

 
Dulci Lima
Doutoranda em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC (UFABC), é mestra em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Mackenzie, e historiadora, pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisadora em Ciências Sociais e Humanas no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP

[1] A série de encontros foi realizada entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, ao todo foram abordados 12 intelectuais negros por outros 12 pesquisadores negros. A série online traz um recorte dessa programação.

[2] SANTOS, Giselle Cristina dos Anjos. Os estudos feministas e o racismo epistêmico. In: Dossiê Mulheres Negras: experiências, vivências e ativismos. Revista Gênero, Niterói, v. 16, n. 2, p. 7-32, 1º sem. 2016. Disponível em: <http://www.revistagenero.uff.br/index.php/ revistagenero/article/view/812>. Acesso em: 5 fev. 2017.

 

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