Eu sempre tive uma paixão intensa por história. Conhecer a história das pessoas, tanto daquelas que vieram antes de mim, que habitaram esse mesmo espaço antes que eu fosse no mundo ou mesmo aquelas que dividem seus espaços, mundos e existências comigo sempre foram e são coisas que me tocam profundamente. Por isso, as aulas de História, no meu período escolar, me eram tão caras, tão ansiadas. Contudo, sempre houve um pedaço de toda aquela trama desenrolada feito um fio linear da narrativa humana que me incomodava profundamente: a escravização de africanos, a presença de escravizados em territórios brasileiros. Afinal, eles se pareciam muito comigo, com os meus antepassados e me marcavam feito ferro quente em um lugar no qual eu não gostava muito de estar: o da submissão, o da não humanidade, o objeto.
Apesar de não entender muito bem o que me afligia naqueles livros de História, hoje eu sei: eu ansiava por história também, por antepassados com vidas, valores, culturas, trajetórias longínquas com drama, suspense e complexidades como a vida humana costuma ter e ser, mas que ali, naqueles livros, relatos e fragmentos históricos, não havia. Não havia nada antes, só “escravidão”, só corpos negros pendurados em postes marcados por chibatas, carregadores de humanos, alimentos e trabalho. Não havia existência.
Aos povos originários, tão ricos, abundantes em histórias, conhecimento, vivência nesta terra que lhes era o lar, reduzidos à Carta de Pero Vaz de Caminha, a imagens que nada revelam suas multiplicidades de povos, línguas, modos de ser e viver por aqui. Nada sobre o extermínio de vida, de pessoas que aqui, por onde caminho, habitaram. Eis que o meu próprio tempo se passa, cresço, adapto-me aos espaços, aceitando quase que inconscientemente a minha própria falta de humanidade, de existência dinâmica, rica viva, já que a insígnia da minha cor me deslocava para um não lugar em uma sociedade que finge não ver que pessoas negras existem, sempre existiram muito antes de assim serem denominadas, construídas. Compreender que o Brasil tem cores, narrativas outras, memórias outras pra além daquelas descritas em livros didáticos dos idos anos 1990 é mais do que entender o Brasil de ontem e de hoje, mas é também reparar histórias como a minha, dignificar pessoas que, esquecidas e invisibilizadas por uma única linha temporal, cresceram se achando menos gente, menos humanas, menos pessoas.
Além disso, a história humana é feita de tramas, teias e linhas entrecruzadas e emaranhadas que vão sendo tecidas por aqui e por acolá de forma não linear, não coesa e cheia de complexidades como a própria existência humana costuma ser por si só. E é aí que o curso Todas as Vozes: uma panorama das relações étnico-raciais se faz ser, ou seja, ele nasce do entendimento de que o Brasil, ou os Brasis que se constituíram e continuam a se constituir por aqui, é complexo, cheio de narrativas outras que não só precisam ser conhecidas como também disseminadas para que garotinhas como eu, em tempos escolares, se vejam, se reconheçam não só na opressão e na humilhação da escravização, mas também na sobrevivência de humanos que, tendo suas dignidades incompreendidas pelo Outro, apesar disso, seguiram e seguem dignos, resistindo a tudo que lhes é e foi negado.
No curso Todas as Vozes…, portanto, os partícipes terão contato com conceitos cruciais para a compreensão da história das populações negras e indígenas no Brasil, suas riquezas culturais e intelectuais, e sobre o silenciamento que sofreram ao longo dos séculos. O curso ainda aborda temas como, por exemplo, a branquitude, a resistência indígena e negra, aspectos culturais de ambos, suas expressões artísticas, grandes pensadoras e pensadores, feminismos, ações afirmativas (cotas), etc… costurando uma ideia de História que dialogue com o humano e suas inúmeras possibilidades e existências. Trata-se de um curso construído por mãos e pensares que, assim como eu, divisam um país plural, variado e não homogêneo. Refiro-me ao Instituto Ella Educações Criativas, uma empresa fundada por três educadoras-pesquisadoras e ativistas sociais, que desenvolve projetos educacionais voltados à garantia dos direitos humanos. O Instituto Ella, no qual me incluo, aposta na educação como principal meio de desenvolvimento e transformação social, compreendendo desigualdades enquanto povo brasileiro e agindo, por meio da educação, em busca de um bem viver mais uníssono, amplo e generoso.
Siméia Mello
Diretora do Instituto Ella Criações Educativas Mestra em Língua Portuguesa, professora, revisora, articulista e ativista pelos direitos humanos. Possui experiência como professora em formação de professores e, atualmente, é diretora do Instituto Encrespa Geral, pesquisadora das relações étnico- raciais e de gênero, atuando como consultora, revisora e roteirista.
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