Educação criativa, ampliada e decolonial

Educação criativa, ampliada e decolonial

“É preciso uma aldeia para educar uma criança”

– Provérbio africano

 

 

As muitas discussões que acompanhamos cotidianamente sobre perspectivas de educação, de forma geral, têm sido bastante centradas nas práticas pedagógicas escolares ou mesmo no trabalho de instituições que promovem formação chamada de extraescolar ou complementar, palavras que em si já demonstram que a escola continua sendo o espaço de referência para pensar o trabalho educacional. Essa escola brasileira, entendida como instituição de ensino, fundada pelos jesuítas no período colonial e com objetivos fortemente coloniais. As mais de 3 milhões de pessoas que aqui já viviam antes da chegada dos portugueses, falantes de tantos idiomas e viventes de tantas culturas, foram consideradas, por eles, seres marcados pela ausência: sem alma, por cultivarem suas próprias crenças espirituais; sem cultura, por terem estilos de vida diversos e distantes das práticas europeias; e bárbaros, por não viverem o modelo de civilização ocidental. Isso posto, o primeiro ímpeto da educação escolar era o de corrigir objetivamente uma parte dos indígenas, enquanto outros eram mortos, tudo em nome da instauração de uma civilização que fosse uma cópia de Portugal e de outros países ocidentais, apenas com mais riquezas naturais.

 

O fato é que, passados todos esses séculos, nossa perspectiva pedagógica mudou muito, porém não tanto quanto deveria, outros objetivos surgiram, mas a colonialidade não se rompeu, de forma que viemos reproduzindo práticas de dominação, controle e correção muito mais voltadas para moldar seres e culturas do que para formar pessoas capazes de serem felizes com ética e sabedoria.

 

Com as reformas de Marquês de Pombal e, mais tarde, independência, novas escolas são criadas, porém ainda com uma perspectiva colonial, a medida que essas novas escolas são destinadas exclusivamente aos europeus e seus descendentes. Do ponto de vista curricular, as disciplinas são organizadas em torno dos conhecimentos europeus, tidos como universais. Cabe observar que a crítica que fazemos aqui não é aos pensadores europeus e todas as suas obras, mas à ideia perversa de que eles seriam os únicos produtores de conhecimento, sendo suas obras, as únicas fontes legítimas para o ensino. Tudo que era feito, falado, dançado, criado e escrito pelos indígenas, africanos, posteriormente trazidos para cá, e seus descendentes, dentro dessa lógica, foram invisibilizados. 

Durante a escravidão, as mais diversas violências foram aplicadas contra as populações indígena e negra e, dentre elas, está o epistemicídio* que se reflete na escola, ora em forma de apagamento dos conhecimentos produzidos por essas pessoas, ora pelo ocultamento da autoria de suas obras.

 

A transformação da escola tem sido uma luta frequente para a/os educadores que pensam a partir a educação a partir dos direitos humanos como também para movimentos sociais, a exemplo dos movimentos negros e indígenas, que, entre 2003 e 2008, conquistaram as leis 10.639 e 11.645*. Porém, além de tardias, essas leis, por si só, não são suficientes para inclusão efetiva de autores e obras negras e indígenas nos currículos escolares, tampouco tal inclusão de obras nos basta. Para a descolonização do conhecimento a partir da escola, é preciso que transformemos metodologias assim como a organização dos tempos e espaços escolares, buscando aprendizagens orgânicas, baseadas mais em vivências do que em sistematizações.

 

Ademais, não apenas a escola precisa transformar-se por dentro, como nós, sociedade, precisamos compreender a educação como um fenômeno que é próprio de todos os espaços de convivência entre pessoas e não só da escola. Em todos os lugares, estamos sempre em constante aprendizado. Aprendemos na interação em família com amigos, com o que assistimos na televisão, ou vemos na internet; aprendemos enquanto vivemos, de forma que toda e qualquer instituição precisa se atentar para que tipo de valores, conhecimentos e princípios está seguindo e, ao mesmo tempo, emanando para o mundo.

 

 

Tendo em vista essa amplitude e partindo do princípio da decolonialidade, nós, do Instituto Ella Criações Educativas, oferecemos palestras, oficinas, cursos e projetos para colégios e afins, mas, também, consultorias e revisões em trabalhos que visem respeitar os direitos humanos, assim como produção de conteúdo em diversas linguagens, para empresas de quaisquer ramos, pois acreditamos que a educação escolar precisa compreender saberes e fazeres outros. Assim como toda instituição ou pessoa autora, que publique textos ou materiais audiovisuais, precisam ter em vista sua responsabilidade educativa para com o público. Nosso sonho é que um dia possamos viver a coletividade de uma aldeia, ainda que no meio urbano, de forma que todas e todos encontrem-se no mundo como educadores e educandos da vida.

 

 

Deborah Monteiro

Diretora Pedagógica

Instituto Ella Criações Educativas

 

 

* Epistemicídio: apagamento dos conhecimentos produzidos por uma população.

* A lei 10.639 de 2003 altera a LDB (lei de diretrizes e bases da educação) pautando a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Já a lei 11.645, de 2008 inclui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura indígena.

 

Algumas referências sobre o tema 

ADICHIE, Chimamanda. Os Perigos de uma História Única.Palestra no TED, evento estadunidense de conferências, jul. 2009. <http://homoliteratus.com/literaturaeidentidadechimamanda-adichie-e-o-perigo-de-uma-unicahistoria/>. Acesso em: 11 out. 2017.

 

CANDAU, Vera. Educación intercultural crítica: Construyendo caminos. In: WALSH, Catherine (ed.). Pedagogías decoloniales: Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito:  Abya Yala, 2013.

 

HALL, Stuart. O Ocidente e o resto: discurso e poder. Tradução Carla D‟Elia. Projeto História, São Paulo, n. 56, p. 235-290, maio-ago 2016.

 

WALSH, Catherine. Interculturalidad crítica y educación intercultural. Disponível em: <www.uchile.cl/…/interculturalidad-critica-y-educacion-intercultural>.

 

Dados da  FUNAI: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao

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